sexta-feira, dezembro 02, 2011

Compreender - Aceitar - Respeitar

O ensino, do menor grau ao maior, treina-nos para encontrar igualdades e para as situar numa qualquer formalidade que se arruma nas prateleiras dos saberes. Para o entendimento, as diferenças são disformes, por isso incómodas,  enquanto não se deixarem agarrar pela teia da igualdade. 
À volta das igualdades organizam-se os saberes; à volta da diferença atraem-se e/ou repelem-se as emoções que ostentam ou disfarçam as debilidades próprias à boleia das decisões racionais e quase sempre como parentes pobres delas. A razão dá-se mal com diferença e com as emoções a ela associadas. O saber ilude este mal-estar e proclama vencido que cada caso é um caso. E cada caso impõe que o respeitem como tal – um mundo embrulhado de emoções. A contrapartida ética deste respeito exigido é o respeito devido às diferenças emocionais dos outros.
Em resumo, entender custa muito pouco porque a ciência basta e às vezes sobra. Mas o respeito torna-se um pouco mais difícil porque apela muitas vezes ao conflito inevitável de emoções diferentes e muito mais difícil ainda é aceitar, porque joga com a periclitante solidez da legítima solidão das emoções próprias: eu, irredutível ao outro, se aceito essa condição, envolvo-me com o que não sou e se do outro espero uma dádiva, contrario a própria irredutibilidade.
Acho, para acabar, que compreender é fácil; aceitar, é já incómodo; respeitar aproxima-se do heroico, porque é aceitar a subversão de si mesmo para que outro seja. Contudo, é na subversão de si próprio que o amor acontece.


quarta-feira, julho 20, 2011


Coimbra Doce

Ao ver, num café de Coimbra, a proprietária fazer um arranjo de flores, eu que só sei rabiscar desenhos, mas também tentar escrever emoções, registei isto:

Tecem os dedos no verde flores
Pontos coloridos dispersos
Nasce um vaso ramo de amores
E enchem-se os olhos de versos



domingo, maio 01, 2011


DIA DA MÃE, DA DO MEU AMIGO E DA MINHA.
Um amigo que partilha comigo a certeza de que a mãe dele e a minha nunca nos disseram “eu morri”, nem elas alguma vez nos ouviram dizer “ a mãe morreu”, continua, tão lúcido como eu me julgo lúcido, a escrever à mãe, c/c para mim:
Sabias que existe um dia da mãe que nunca tiveste? Hoje vais tê-lo, porque o teu filho Tonho Loiro, apesar das carolas que lhe deste na carola, nunca te esqueceu. Também me davas beijos, poucos, porque não tinhas tempo e eu raramente retribuía, porque desconhecia o seu significado. Como não deves ter computador aí em cima, nem deves saber o que é, remando-te todos aqueles beijos não retribuídos, através das nuvens que por coincidência ou não estão cá hoje. Já agora, lembras-te da ti Piedade, mulher do ti João Tendeiro? Era aquela que cozia uma excelente broa, que todos comiam menos nós. Dá-lhe cumprimentos meus e um beijo do Bão, o filho dela e meu amigo.
Ah! Só mais uma coisa; hoje elegeram mais um futuro Santo. Um tal de J. Paulo II. Já nem sei quantos Santos existem, mas dos milagres que fazem, não me esqueço. Deixa-te estar sossegada que isto por aqui está pior do que no tempo do Elias, do racionamento e do milho de fora.
Um xi coração e até breve
Do teu filho Tonho Loiro
Respondi de imediato:
Ó Tonho Louro, que coisa tão linda tu escreveste! É um milagre, sabes. Porque tu julgas que eu estou em Coimbra a caminho da Beira, mas não. Veio a tempestade, olhei na Internet a previsão do tempo e resolvi adiar por oito dias a viagem que te tinha anunciado. Milagre, fiquei só no meu apartamento, levantei-me cedo para seguir a beatificação de João Paulo. Só (a Margarida foi a Coimbra praticar o dever semanal que já conheces) fui revendo, através da minha devoção, a vida que me tem acontecido e que eu só posso agradecer porque não fiz nada para a merecer. E tu estás entre os amigos de muito longa data mas que Deus só aproximou quando Ele muito bem quis. Dizes-me, meio brincando meio a sério, não me dês volta à cabeça... Reconheço no teu escrito para a tua Mãe (quem estivesse por fora a ver a tua Mãe , eu ao pé dela contigo, pensaria talvez que eu é que seria o filho dela, tão parecidos eram os meus cabelos com os da tua mãe..) que as nossas conversas dão frutos ao reconhecermos que se há exemplo na terra que melhor evoque Deus é precisamente o amor de mãe, com as "caroladas" sim senhor, as "caroladas" que Deus também nos manda, espero, ainda com mais amor do que as com que nossas mães nos mimaram na infância.
Tonho, repito, gostei muito, muito do que escreveste. É mesmo com os olhos humedecidos de emoção que eu te digo, rapaz, a boa broa da minha mãe era de milho de dentro, mas feita com a mesma esperança dos que apenas tinham milho de fora para a fazer. E ouço o filho do Benjamim dizer para o ti Torrão: - o que é que você fez à broa que está tão doce... Milagre, Tonho Louro, broa de milho de fora tão saborosa como a de milho de dentro... Porque milagre é ver o acontecimento banal com os olhos da fé.
Um beijo à São. Um grande abraço do Bão, teu irmão dos cabelos loiros.
E que as nossas Mães exultem com os nossos beijos!

sexta-feira, março 25, 2011

Cada caso é um caso

Num café em Coimbra, uma senhora idosa, certamente a proprietária, lamenta-se: - desculpe, mas a máquina não aquece e nem sei porquê ainda ontem estava boa. E mexia nos botões ao dispor para a máquina responder como na véspera. Conseguiu: - já está, afinal é bem verdade que as máquinas têm sempre razão. Esperei e bebi o café reconfortante.

A peripécia deu para meter conversa: - afinal a máquina tem sempre razão; é a razão que nem sempre a tem… Ora agora é que o senhor disse uma grande verdade. É isso mesmo. E repetiu prolongadamente a sentença, nem para eu ouvir, nem para se ouvir, mas ecoando-a ao ritmo de acenos visíveis e concordantes com o débito de reminiscências ocultas da memória, - é isso mesmo a razão nem sempre tem razão… Estaria a senhora a reviver em silêncio sem precisar de Pascal as razões do seu próprio coração que a razão desconhece?

Saio do café. Medito: por que é que a razão se dá tão mal com a diferença a ponto de inventar as máquinas, fascínio das técnicas,"hossanas" da ciência, para endeusar um artefacto mecânico que só por artifício consegue que a razão tenha sempre razão devido à inércia do material… Pobre razão que, quando exercida pelo homem e face à inexorável resistência do mundo e da vida, rende-se, calada, à confissão de subordinação mais pungente do ser humano à realidade: “cada caso é um caso”.