quinta-feira, outubro 26, 2006

SEXO E VIDA – SEMPRE.

1. "Sexo", entre aspas para não haver dúvidas, é um termo aplicável a vários conceitos. Li de alguém: "sexo, mais do que para pensar, é para... fazer". Creio que o entendi. Por isso, não o imagino nas Caldas da Rainha a modelar em barro "um das caldas". Isto é, eu sei que a expressão "fazer sexo" não significa manipular matéria para obter órgãos genitais, a partir de barro ou do tecido celular de que são feitos a "pilinha" do menino e o "bibi" da menina...

2. Mas, então o que fará de sexo, o dito cujos quando diz que melhor do que o pensar, é fazê-lo? Não lhe vou fazer a desfeita de o imaginar com um "objecto" na mão, mesmo que seja de "tecido celular" envolvido nas mais imaginativas peripécias psico-motoras do Canal Playboy...

3. Na expressão "sexo, mais do que para pensar, é para... fazer", o termo "sexo" denota outro conceito e dou de barato que quem o faz, quando o faz, exerce uma função múltipla que num só acto ou em actos sucessivos, se excita e/ou excita, dá e/ou recebe prazer, copula e/ou não copula, reproduz e/ou não reproduz um outro ser que prolonga a espécie, no caso vertente a... humana.

4. Cada qual, na função sexual, se excita e excita como quer e pode, dá e recebe prazer a quem quer e lho possa dar, copula com o que tem à mão, coisa, animal ou homem (macho e/ou fêmea), e... (também não pode ser tudo como a gente quer...) só reproduz outro ser com... o sexo oposto.

5. "Sexo" significa também a divisão de uma espécie em dois géneros, o sexo masculino e o sexo feminino. O sexo aqui amarra-nos à espécie, condenados a ser homem ou a ser mulher, e o encontro de orgasmos, frenesim de prazer inesquecível, é também um acto por onde passa o prolongamento da espécie, nem sempre uma perspectiva feliz de humanidade... Pode ser uma chatice, uma seca, a perspectiva de ver associado ao prazer um monte de preocupações

6. Prazer e preocupação não é par que entusiasme os humanos. Os sucessivos êxitos científicos e tecnológicos vão no sentido de separar sexo e procriação e sexo seguro ao fim e ao cabo significa sexo despreocupado com as inerentes consequências indesejadas. Não deixa de ser uma conquista civilizacional, ligada ao luxo tecnológico ainda apenas ao alcance de escassas minorias.

7. Mas mesmo que se queira fazer sexo despreocupado para, simultaneamente, ter prazer, não apanhar nem transmitir doenças nem procriar, a natureza prega partidas às estritas opções racionais. Lindas ou feias histórias a dois, viram histórias a três ou mais. E no caso da procriação, confirmadas as primeiras suspeitas, por muito que se recorra à ciência ou ao direito, ninguém ignora que o tal terceiro desta história se anuncia à porta da humanidade porque dela já faz parte.

8. Será que o sexo não é para ser pensado? É; e, desde logo, na mínima unidade significativa do vocábulo, o se de sexo, a mesma de secção, de secante, de separar, e outras, que dão ao sexo a significação profunda de dividir, de separar, de acentuar a diferença e não a igualdade, a de nos amarrar à situação de ter de ser o que se é e de não poder ser o outro que eventualmente desejaríamos ser.

9. Estamos amarrados ao nosso sexo. É, aliás, o constrangimento desta situação que ajuda os humanos a não terem a veleidade de se tomarem por deuses. Deus que deve ser livre (estou a falar do conceito racional de Deus e não apenas do objecto da fé de um crente...) não tem sexo. Compreende-se porquê. O sexo não une, divide; o sexo não liberta, amarra; o sexo não igualiza, diferencia.

10. O sexo é a residência do desejo - e é a partir deste ponto residual do desejo de dois sexos diferenciados que a humanidade floresce. Pelo desejo a humanidade se forma e expande.

11. Lembra o sexo à razão que o desejo a precede. Apela o sexo à razão que cuide mais da diferença e não prossiga a igualdade abstracta de apetites inconsequentes. O desejo pela razão se transforma em ética. E a ética abre-se aos valores. E os valores vivem da esperança de quem espreita a vida, da coragem de quem enfrenta a morte que a amedronta, da devolução generosa do desejo à própria vida que o comporta. Sexo e vida – sempre. Sexo e morte – nunca.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Janeiro, mês de balanço…



Quando percebi a regra prática da contabilidade quem deve, tem; quem tem, deve, descobri na sequência lógica do raciocínio que a riqueza consiste em dever a um credor que não exija o pagamento da dívida.

É por isso que quem não tem credores nem à porta nem ao ferrolho e possui bens próprios, se apressa a justificar o pouco ou muito de seu, dizendo que o que tem, a si o deve.

Sou ainda do tempo em que no Pai-Nosso a actual prédica perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido se dizia perdoai as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. A mudança apartou águas profanas de águas sagradas: créditos e débitos equilibram-se no balanço da situação líquida das empresas de César (a César o que é de César) enquanto ofensas e ofendidos se purificam nas águas celestiais do perdão que lava a culpa (a Deus o que é de Deus).

Pelos vistos César e Deus respeitam a separação entre este mundo e o outro. Os “prófes” de economia, mesmo os das universidades pias, lembram-nos cheios de humor de que não há almoços grátis. Isto é, neste mundo ninguém perdoa dívidas a ninguém; ou melhor, só se perdoa o que a si próprio se deve…

Os que a si devem o que a si não cobram, engordam. Mas César obriga a que o balanço seja equilibrado, inscrevendo os lucros no passivo: quem tem não só amealha o que a si próprio deve como engorda também com o que outros têm, mas que, pelos vistos, não a si mas a outros devem…

Dito isto, confessemo-nos pecadores: - perdoai nossas ofensas assim como não cobramos as nossas próprias dívidas. Terra e céu unidos no balanço… Ámen.